"Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram, são designados pelos seus nomes verdadeiros."
É esta a nota de abertura que nos deixa Erico Verissimo ao início desse livro maravilhoso.
Primeiramente, vamos a um mea culpa: eu ainda não tinha lido nenhum livro desse gênio da literatura brasileira, marco de uma geração e ídolo da literatura gaúcha. Já conhecia, é verdade, parte de seus títulos e sabia o quão querido ele é pelos leitores, mas não havia experienciado a abrangência de seu talento, seus personagens comicamente realistas e ao mesmo tempo cruelmente fantasiosos, sua narrativa fluente, coesa e ricamente marcada pela história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Já havia, também, lido livros de seu filho, Luis Fernando Verissimo, que aparentemente herdou do pai o talento para a escrita, embora represente um estilo bastante diferente.
Incidente em Antares é dividido em duas partes. Na primeira, somos apresentados à pictórica cidadezinha gaúcha, às margens do rio Uruguai, na fronteira com a Argentina. Antares é vizinha de São Borja, terra da família Vargas, que pelos idos do 1930 fez um Presidente da República.
Nessa metade do livro, assistimos em um privilegiado lugar de leitor aos acontecimentos beligerantes que marcaram a história do inusitado povoado missioneiro, desde sua fundação, pelas mãos do estancieiro Francisco Vacariano, à chegada do pecuarista Anacleto Campolargo, passando pelo ódio instantâneo surgido entre os dois gaúchos, por suas artimanhas políticas e pelos inúmeros confrontos entre as famílias, até a reconciliação forçada por um certo Getúlio de São Borja, e a amizade de surgida entre seus membros durante o século XX.
Pela ótica dessas duas famílias, vemos ser contada a história do vilarejo, do estado e do país. Encontramos uma Antares bem provinciana, dominada pelos coronéis e suas visões políticas. Ao mesmo tempo, o período que recebe maior atenção nessa parte do livro, da década de 1920 à 1960, ocorre uma grande transformação, com o amadurecimento da democracia e as tendência autoritárias.
O que fica mesmo é a impressão de ser esta uma cidadezinha como quase todas no Brasil daquela época, mas descrita e apresentada de um modo qual um contive, que enche o leitor de vontade de viver pro lá nem que seja por uma temporada.
Na segunda parte, já em dezembro de 1963, às vésperas do golpe militar de 1964, é deflagrada em Antares uma greve geral. Os operários das três indústrias que operam na cidade reivindicam melhorias nas condições de trabalho e, dado o clima nacional, recebem o apoio de todos os trabalhadores da cidade. Assim, ficam todos os serviços paralisados, das máquinas das fábricas, aos coveiros.
Os poderosos da cidade tentam uma retomada da ordem pela força, chamando a força nacional e apelando para o governador, mas são ignorados em nome da democracia e do direito de greve. Em meio a toda confusão, muitos se indignam com situação a ponto de ficarem com a saúde abalada. D. Quitéria Campolargo, matriarca que há décadas comanda a família com pulso de ferro, é uma das vítimas, pois morre de ataque cardíaco no dia em que se inicia a greve. No mesmo dia, outros seis antarenses passam dessa para a melhor, um recorde na pequena cidade em tempos de paz e saúde.
Como a greve abrange também os coveiros, os revoltosos ocupam a entrada do cemitério e impedem o sepultamento dos defuntos, levando a cidade a um clima de caos inédito.
A confusão só faz piorar quando os defuntos insepultos resolvem se levantar e reivindicar seu direito de sepultamento.
O livro foi adaptada para a televisão em uma minissérie na década de 1990, pela Rede Globo. Também foi vezes sem conta levada aos palcos como peça de teatro país adentro.
Este foi o último romance escrito pelo autor, em 1971, e, juntamente com a maior parte de sua obra, foi traduzida e publicada em vários países.
Mal posso esperar para ler outros livros do autor, mas fico com uma certeza: esse é um livro que vale a pena ser lido e relido várias vezes!
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