quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um Decanter - João Cabral de Melo Neto

Só álcool dessa garrafa
pode o vinagre e o ferrão
para a alma toda murcha
na pose fetal do não,

fechada num novelo
de linha, enodoada:
e ele só pode encontrar
a ponta dessa meada

e fazer ainda fluir
a alma estancada em rolo,
tão centrada em si mesma
que o fio fez-se caroço.

E porque essa garrafa
é em perfis, em cristal, forma,
concreta no espaço nada,
anônimo, em sua volta,

pode ela depois deter,
fazendo-se noz ou centro
daquilo em que se derrama,
o que antes fora nó denso,

e mesmo impedir que a alma
já desnodoada, solta,
derrame-se desfiada,
sem carretel, forma ou fôrma.

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